quarta-feira, 2 de julho de 2008

A RELAÇÃO ENTRE OS QUADRINHOS E O COTIDIANO


“Uma análise sobre o quadrinho e o cotidiano”

“Ainda que relegados a uma condição minoritária, os quadrinhos oferecem um inestimável portal através do qual podemos ver nosso mundo. Hoje a imagem animada - tanto pelo cinema como pela tevê - constitui parte do leão de tais portais. Os quadrinhos, como outras formas minoritárias, são vitais para diversificar nossas percepções de mundo." (Scott Mc Cloud).

As histórias em quadrinhos, durante muito tempo, foram compreendidas mentalmente por uma maioria, como sub-literatura direcionada ao público infantil.

As histórias em quadrinhos eram acusadas de desestimular a leitura (as crianças ficariam preguiçosas ao lerem gibis) e a criatividade (uma vez que já traziam o desenho das cenas, deixando pouco para a imaginação do leitor). Além disso, segundo o livro “Sedução dos Inocentes”, de Fredrick Werthan, publicado nos EUA no início dos anos cinqüenta, os gibis seriam responsáveis pela delinqüência juvenil.

Para os mais radicais e geniosos, causava danos, interferindo na formação da criança e na constituição de um adulto mais capaz, como se esse fator de diversão e aprendizado poderia transformar, ou melhor, dizendo diminuir a capacidade de criação, pensamento, ou até criatividade deste futuro adulto. Apesar de tais processos pelo qual, de ação recíproca e de um juízo comum estabelecido sobre uma parábola que essas histórias podiam gerar aos jovens, desde sempre houve aquelas produzidas para um público adulto: não pelo conteúdo ou pela história, mas pelo formato que adotavam linguagens e temporalidades mais refinadas.

Entretanto os quadrinhos tinham, de fato, genericamente, uma atitude mais infantil. Seus personagens eram burlescos, muitas vezes animais com características humanas.

Tais provimentos se radicam e diversificam na década de 60, com a advento da contra-cultura. Assim surgem personagens mais compassivos e fidedignos, no sentido de açambarcar os fatos da época, como intuito de aproximação maior ao seu público. O homem comum, o personagem que vive à margem da sociedade, passa a ser o grande personagem.

Will Eisner foi um dos maiores cooperadores para que os quadrinhos passassem a ter uma maior respeitabilidade e abandonassem aquela visão em detrimento aos discursos apocalípticos, como baixa-cultura. Suas colaborações no aspecto da linguagem eram visíveis nas tiras de "The Spirit" publicadas nos jornais, ainda na década de 40, e que lhe valeram a comparação com Orson Welles. Outro fator importante foi à criação de um formato de história longa, com tempo e espaço para o desenvolvimento de uma narrativa mais elaborada e consistente. "Contrato com Deus", datado na década de 70, inaugurou o termo graphic novel, ou o "álbum", tornando possível a aproximação maior dos quadrinhos do romance e da literatura, com um diferencial, de se utilizarem também dos desenhos como recurso narrativo criativo e indispensável. Se o quadrinho agora tinha um formato que lhe possibilitava um desenvolvimento e variedade maior nos seus aspectos narrativos, o termo a seguir, também elaborado pelo próprio Eisner, foi arte-seqüencial.

Se a arte seqüencial trabalha com tal interação entre literatura e artes plásticas e se sempre o quadrinho, como toda a mídia de massa, recebeu influência de outras mídias, seja em seu conteúdo e em sua forma, é mais do que natural que o quadrinho se hibridizasse com outras modalidades narrativas da modernidade. Assim transforma-se, inova e viabiliza produtos e leituras diferenciadas, exercendo também influência sobre as mídias de origem. É nesse momento que se percebe a aproximação entre quadrinhos e o discurso jornalístico, criando um tipo muito específico de produto: a arte seqüencial documental.

A possibilidade de percepção e apreensão total da imagem, nos quadrinhos, portanto, é muito maior do que é no cinema. “Uma correspondência a essa noção da importância dos elementos constitutivos da imagem já era apresentada por Eisenstein, no cinema, que já entendia que a menor parte do filme não era o plano, mas sim a atração: subsídios internos ao plano que ajudavam a dar sentido à imagem”.

A cultura e experiência do indivíduo são fundamentais no processo de reconhecimento da imagem, mas ainda não são suficientes para possibilitar uma leitura absoluta do que se está vendo. Reconhecer os elementos da imagem não significa compreendê-la em sua totalidade.

"O Contrato com Deus", de Will Eisner, foi um dos álbuns que inaugurou o quadrinho de testemunho. Na verdade eram histórias inspiradas na vivência pessoal do autor. De lá para cá vários autores têm aprofundado essa relação, alguns que anteriormente faziam relatos autobiográficos ou que transmitiam a experiência vivida em determinado contexto e outros que trabalhavam de forma jornalística, indo ao local do evento e investigando como um repórter.

A arte seqüencial se adéqua a tal narrativa de conflito, desde o momento em que o desenhista presta atenção em cada detalhe do que estaria em sua visão periférica e o retrata, através de seu desenho, com uma definição superior a da fotografia. Até a própria forma de construção do discurso. Isso fica claro, por exemplo, nas entrelinhas das declarações que Sacco dá a respeito de sua metodologia de trabalho, que se mostra sempre preocupado em estabelecer percursos e fugir de mapeamentos.

É evidente que esse gênero de quadrinhos não se tornará hegemônico ou, ao menos, será de tão grande difusão. Ainda constitui-se, pelos poucos autores que o fazem, em um quadrinho de exceção. Mas a proliferação recente, cada vez maior, desse tipo de narrativas, faz crer que a tendência é do quadrinho jornalístico se expandir. É importante, portanto, que se preste mais atenção em suas possibilidades, na sua força narrativa. Entender seu funcionamento, valorizar sua experiência e entender o meio como um poderoso instrumento de comunicação e como um, talvez revolucionário, meio jornalístico.



CLEYSON OLIVEIRA

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